Revisão do Modelo de Arrendamento Portuário: Uma Proposta para um Novo Paradigma de Competitividade e Eficiência 

Por Andre Zajdenweber, MsC, sócio da GRAF INFRA CONSULTING 

Resumo Executivo 

O setor portuário brasileiro, embora fundamental para o comércio exterior e o desenvolvimento econômico do país, enfrenta desafios significativos decorrentes de um modelo de arrendamento defasado. O processo atual, centrado nos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEAs) e na valoração por Fluxo de Caixa Descontado (FCD), é caracterizado por morosidade e imprecisão. Essa abordagem não apenas prolonga os prazos para a concretização de investimentos, mas também introduz incertezas que desestimulam o capital privado, especialmente quando comparado à agilidade na autorização de Terminais de Uso Privado (TUPs). Como consequência, observa-se uma paradoxal ociosidade de áreas nos portos públicos, mesmo diante da demanda por capacidade portuária, e uma acentuada preferência dos investidores por TUPs. 

As questões observadas não são meros problemas operacionais isolados, mas sim manifestações de um arcabouço regulatório e de valoração fundamentalmente desalinhado com as dinâmicas de mercado e as necessidades de longo prazo do setor. A ineficiência sistêmica resultante compromete a capacidade dos portos públicos de atrair investimentos e modernizar sua infraestrutura, limitando seu potencial de contribuição para o crescimento econômico nacional. 

Este ensaio propõe uma mudança de paradigma: a substituição do modelo de valoração individual por EVTEAs por um planejamento estratégico de longo prazo do porto, que defina as necessidades de arrecadação para sua manutenção e investimentos futuros. A precificação das áreas passaria a ser feita a valor de mercado, com áreas permanentemente em oferta para interessados e processos licitatórios simplificados em caso de múltiplos interessados. Essa abordagem busca não apenas a máxima arrecadação pontual, mas a sustentabilidade e o desenvolvimento contínuo do ecossistema portuário. 

Os benefícios esperados dessa transição são múltiplos e interconectados: um aumento substancial na eficiência dos processos, a aceleração da ocupação de áreas ociosas, a elevação da atratividade para investimentos privados e a promoção de um setor portuário mais robusto e competitivo. A reforma proposta, portanto, transcende uma mera otimização setorial; ela se configura como um imperativo estratégico para fortalecer a posição do Brasil no cenário global e impulsionar seu desenvolvimento econômico. 

1. Introdução: Contextualização e a Urgência da Modernização do Modelo de Arrendamento Portuário 

O setor portuário brasileiro passou por uma transformação significativa a partir da década de 1990, impulsionada pela Lei nº 8.630/1993, que marcou o início de uma era de modernização e maior participação da iniciativa privada. Posteriormente, a Lei nº 12.815/2013 consolidou esse processo, estabelecendo um novo marco regulatório para o setor. Essas legislações foram cruciais para o amadurecimento e o desenvolvimento da infraestrutura portuária nacional. 

Contudo, a mesma Lei nº 12.815/2013, ao flexibilizar a operação dos Terminais de Uso Privado (TUPs) permitindo-lhes movimentar cargas de terceiros de forma não apenas acessória, gerou uma nova dinâmica competitiva no setor.1 Essa mudança, embora visando aprimorar a eficiência geral, revelou uma assimetria regulatória: o processo de arrendamento para terminais em portos públicos tornou-se consideravelmente mais moroso e burocrático em comparação com a obtenção de autorização para TUPs. Essa disparidade tem impactado diretamente a competitividade dos terminais instalados em portos públicos. 

Apesar dos avanços legislativos, as demandas contemporâneas do mercado evidenciam a necessidade premente de aperfeiçoamentos no modelo de arrendamento vigente. O objetivo central é desenvolver um processo mais ágil, eficiente e atrativo para investimentos, capaz de impulsionar a modernização e o desenvolvimento contínuo do setor. Simplificar procedimentos, reduzir a burocracia e flexibilizar as regras são medidas essenciais para atrair novos capitais, fomentar a competição, destravar gargalos logísticos e, em última instância, fortalecer o papel estratégico dos portos brasileiros no comércio global. 

A flexibilização dos TUPs, embora uma medida positiva para a modernização, teve uma consequência não intencional sobre o sistema portuário público. Ao não ser acompanhada por uma simplificação paralela nos processos de arrendamento de portos públicos, criou-se um desequilíbrio competitivo. Essa assimetria regulatória distorce as dinâmicas de mercado, levando a uma alocação subótima de capital e recursos. Se os TUPs se mostram “muito mais atraente para o investidor” mesmo quando portos públicos já possuem infraestrutura pronta, como canais de acesso e balizamento, isso indica que a fricção regulatória, e não os fundamentos de mercado, está direcionando os investimentos para longe dos ativos públicos. A inércia na adaptação do modelo de arrendamento público representa um custo de oportunidade considerável para o país, impactando o crescimento econômico e a eficiência do comércio exterior. 

2. Diagnóstico Crítico do Modelo Atual de Arrendamento Portuário 

O modelo de arrendamento portuário atualmente em vigor no Brasil apresenta uma série de deficiências que comprometem sua eficiência, atratividade e capacidade de promover o desenvolvimento sustentável do setor. Uma análise detalhada revela problemas estruturais que precisam ser urgentemente endereçados. 

2.1. A Morosidade e Imprecisão do Processo de EVTEA e Licitatório 

O Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) é, em teoria, um “instrumento crucial” para a análise de projetos de investimento em terminais portuários e para a elaboração dos contratos de arrendamento. No entanto, na prática, o processo de elaboração do EVTEA e os subsequentes ritos licitatórios são “complexos e demorados”, o que impacta negativamente a atratividade do setor para novos investimentos. 

A lentidão é quantificável e alarmante. O processo de arrendamento, desde a manifestação de interesse de uma empresa privada até a realização do leilão, levou em média 20 meses no período de 2017 a 2024, com alguns casos superando 36 meses. Cerca de 39% dos processos de arrendamento nesse período demandaram 24 meses ou mais, desde a apresentação do EVTEA até o leilão público. Ao considerar que a elaboração de um EVTEA pelo interessado pode levar seis meses, o tempo total que uma empresa pode gastar desde o investimento inicial até a obtenção do arrendamento varia de 2 a 4 anos. 

Essa demora impõe um “custo de oportunidade” significativo, que pode ser “fatal para o projeto”. Além dos recursos financeiros despendidos com consultorias e escritórios de advocacia, a perda de tempo pode inviabilizar o projeto, especialmente quando investidores possuem alternativas de negócios mais céleres e competitivas. Para empresas com cadeias logísticas verticalizadas, como grandes exportadores de commodities, a necessidade estratégica de um terminal é premente. Essas empresas não podem se dar ao luxo de esperar de dois a quatro anos para participar de um leilão, com o risco de não obter a infraestrutura essencial para seu planejamento estratégico.1 

A prolongada duração e a incerteza inerente ao processo atuam como um forte desincentivo ao investimento. A atratividade dos leilões de arrendamento é diretamente afetada: nos últimos oito anos, 30 leilões públicos para arrendamento portuário, representando mais de 50% do total realizado no período, tiveram apenas um ou nenhum participante. A alta duração e a incerteza do processo contribuem para essa baixa participação, o que, por sua vez, reforça a percepção de que os arrendamentos em portos públicos são pouco atraentes, criando um ciclo de retroalimentação negativo. A carga burocrática atua como uma barreira de entrada não tarifária, limitando a competição e a inovação nos portos públicos. 

2.2. Limitações da Valoração por Fluxo de Caixa Descontado (FCD) 

Um dos pontos mais críticos do EVTEA reside na valoração do arrendamento, que se baseia no modelo de Fluxo de Caixa Descontado (FCD).1 Embora o FCD seja uma ferramenta amplamente utilizada e “útil na análise de investimentos”, sua aplicação como referência rígida em contratos de arrendamento portuário de longo prazo (25 ou 35 anos) é intrinsecamente imprecisa. 

As projeções de fluxos de caixa futuros são inerentemente incertas e podem não refletir a realidade dinâmica do setor, tornando a valoração suscetível a erros. A literatura acadêmica aponta que o FCD é “altamente sensível às premissas utilizadas”, como a taxa de crescimento dos fluxos de caixa e a taxa de desconto. Pequenas variações nessas premissas podem gerar grandes distorções no valor final do ativo, resultando em uma precificação instável e pouco confiável. Adicionalmente, o FCD pode não capturar adequadamente os riscos específicos do setor portuário, como mudanças regulatórias, flutuações na demanda e a competição internacional. A imprevisibilidade dos mercados e as constantes mudanças no cenário econômico global tornam as projeções de longo prazo ainda mais desafiadoras. 

A imprecisão inerente ao método pode levar a distorções no valor do ativo, afetando a atratividade do setor e desestimulando investimentos. O modelo atual, ao olhar o arrendamento estritamente como um negócio, focado no máximo valor que o terminal pode gerar para a autoridade portuária, gera um desalinhamento de incentivos. A necessidade de renegociar o contrato e elaborar um novo EVTEA a cada investimento extra não previsto contratualmente gera incerteza e dificuldades para as empresas arrendatárias, desestimulando investimentos de longo prazo. Além disso, a equalização do retorno do arrendamento aos parâmetros definidos pelo poder concedente reverte os ganhos de eficiência obtidos pela competência do arrendatário ao poder concedente, o que reduz a atratividade do setor para novos investidores.  Isso leva as empresas a priorizarem investimentos de curto prazo com retorno imediato, em detrimento de melhorias estruturais que demandam maior tempo e recursos, limitando o desenvolvimento e a competitividade dos portos. A natureza estática das projeções de FCD em contratos de longo prazo colide com a dinâmica do setor portuário, resultando em avaliações e contratos rapidamente desatualizados e instáveis. Ao transferir riscos de mercado e regulatórios significativos para o investidor privado sem compensação ou flexibilidade adequadas, o FCD torna os arrendamentos em portos públicos menos atraentes. 

2.3. A Disparidade Competitiva e a Ociosidade de Áreas em Portos Públicos 

Existe um paradoxo no setor portuário brasileiro: há demanda por capacidade portuária no país, mas uma persistente ociosidade de áreas nos portos organizados. Estima-se, com base nos Planos de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) dos portos públicos, que mais de 50% das áreas destinadas à operação portuária encontram-se ociosas. Embora esse levantamento possa ter alguma imprecisão devido a PDZs desatualizados, a magnitude do número é impressionante e indica um problema estrutural. 

Essa subutilização de ativos públicos representa um custo de oportunidade considerável, tanto para o poder concedente quanto para o desenvolvimento do setor.1 É possível traçar uma analogia com um condomínio ou shopping center: assim como condôminos ou lojistas contribuem para a manutenção e desenvolvimento da infraestrutura comum, as empresas que operam nos portos deveriam contribuir para a infraestrutura portuária. A ociosidade de áreas nos portos resulta na diminuição da arrecadação das autoridades portuárias, impactando diretamente sua capacidade de investimento em modernização e expansão. Se um condômino deixa de pagar a taxa de manutenção, o condomínio enfrenta dificuldades financeiras, podendo levar à degradação do patrimônio ou aumento de taxas para os demais. Da mesma forma, a ociosidade nos portos limita o investimento em infraestrutura, prejudicando a competitividade setorial e o desenvolvimento econômico nacional. 

A complexidade e a burocracia para desenvolver um terminal em um porto público são evidentes nos números. Nos últimos 15 anos, quase 170 TUPs foram autorizados pela agência reguladora, enquanto apenas 60 arrendamentos foram realizados em portos públicos no mesmo período. O Porto de Suape, um dos mais importantes do Nordeste, não celebra um novo contrato de arrendamento desde 2013. Essa disparidade, que leva investidores a optarem por TUPs greenfield mesmo quando a infraestrutura já existe nos portos públicos, é um indicador claro de falha sistêmica. A preferência por TUPs, apesar de contraintuitiva dada a infraestrutura existente nos portos públicos, demonstra que o ambiente regulatório dos portos organizados é tão oneroso que supera os benefícios de uma infraestrutura pré-existente. 

A alta taxa de ociosidade e a preferência por TUPs resultam em uma desvalorização e subutilização da infraestrutura portuária pública existente, representando uma perda significativa de receita potencial e contribuição econômica. Isso configura uma alocação ineficiente de recursos nacionais. A redução da arrecadação das autoridades portuárias, ilustrada pela analogia do condomínio, gera uma pressão fiscal que limita sua autonomia financeira e capacidade de investimento, perpetuando um ciclo vicioso de subinvestimento e declínio da competitividade. 

Tabela 2: Estatísticas Chave do Processo de Arrendamento Portuário (2017-2024) 

Característica Dado Implicação 
Tempo médio do processo de arrendamento (manifestação ao leilão) 20 meses (2017-2024) Longo ciclo de investimento, aumenta o custo de oportunidade. 
Tempo máximo observado do processo de arrendamento >36 meses Elevada incerteza e risco para investidores. 
% de processos com 24+ meses (EVTEA à leilão) 39% Quase 40% dos projetos enfrentam atrasos severos. 
Tempo total estimado para o investidor (EVTEA + leilão) 2 a 4 anos Desestimula empresas com necessidades estratégicas e urgentes. 
Leilões públicos com 1 ou nenhum participante (últimos 8 anos) 30 leilões Baixa atratividade e competitividade dos certames. 
% de leilões com 1 ou nenhum participante (últimos 8 anos) >50% Mais da metade dos leilões não gera concorrência efetiva. 
TUPs autorizados (últimos 15 anos) ~170 Preferência clara por terminais privados devido à agilidade. 
Arrendamentos em portos públicos (últimos 15 anos) ~60 Indicação de burocracia e complexidade nos portos públicos. 
% estimado de áreas ociosas em portos organizados (base PDZ) >50% Subutilização de ativos públicos, perda de receita potencial. 

3. Proposição de um Novo Modelo de Arrendamento Portuário: Foco no Planejamento Estratégico e Mercado 

A superação dos desafios identificados no modelo atual exige uma reorientação fundamental, que priorize a agilidade, a previsibilidade e a sustentabilidade do ecossistema portuário. O novo modelo proposto visa simplificar o processo de arrendamento, reduzir a burocracia e, consequentemente, estimular investimentos em modernização e expansão da infraestrutura portuária. 

3.1. Princípios Fundamentais: Da Arrecadação Máxima à Sustentabilidade Operacional 

A ideia central do modelo proposto é substituir a exigência de EVTEAs individualizados por um planejamento estratégico de longo prazo para o porto como um todo. Essa mudança representa uma transição do viés de “arrecadação máxima” pelo valor do ativo para o poder concedente, para uma abordagem de “arrecadação necessária e suficiente” para a manutenção e modernização do porto. 

As áreas portuárias seriam precificadas a valor de mercado, considerando suas características estruturais e utilizando metodologias de avaliação de imóveis reconhecidas, como as da ABNT. As outorgas seriam definidas por tipo de carga, em função do valor agregado que cada uma representa. Um aspecto crucial é que todas as áreas afetadas à operação portuária e que se encontram ociosas seriam disponibilizadas em caráter permanente para arrendamento. 

A partir da manifestação de interesse de uma empresa, o processo de contratação seria direto ou, caso mais de uma empresa demonstre interesse pela mesma área, seria realizado um processo licitatório simplificado. Os contratos teriam a anuência do Tribunal de Contas da União (TCU) e seriam avaliados por indicadores de desempenho claros, que medem produtividade, capacidade e modicidade tarifária. Com base no desempenho dos arrendamentos, novos ciclos de planejamento seriam executados periodicamente, garantindo a adaptabilidade do modelo. 

Essa proposta representa uma mudança fundamental na forma como os ativos portuários públicos são geridos, passando de uma abordagem reativa e transacional para uma gestão proativa e estratégica. Ao precificar as áreas “a valor de mercado” e permitir ofertas permanentes, o modelo aproveita as forças de mercado para impulsionar a eficiência e a alocação ótima de recursos, em vez de depender de avaliações burocráticas que se mostraram imprecisas e instáveis. Essa previsibilidade e a simplificação dos mecanismos de contratação reduzem drasticamente a incerteza e os longos prazos que atualmente afastam os investidores, tornando os portos públicos um investimento mais previsível e menos arriscado. 

3.2. O Planejamento Estratégico do Porto como Pilar Central 

O planejamento estratégico do porto é o “elemento fundamental” do novo modelo. Em vez de valorar projeto a projeto, o que pode levar a um desenvolvimento fragmentado, o modelo propõe uma análise mais holística do papel do porto no desenvolvimento regional e de suas necessidades futuras. Essa análise consideraria as cadeias logísticas, os impactos socioeconômicos e as questões ambientais, trazendo um viés de necessidade e suficiência para a precificação dos arrendamentos. 

É essencial que esse planejamento seja periódico e flexível, capaz de se adaptar às mudanças no cenário econômico e tecnológico. Mecanismos de revisão periódica e ajustes devem ser previstos, assegurando que o porto se mantenha competitivo e atenda às demandas do mercado. O processo de elaboração do plano deve ser transparente e participativo, envolvendo os diversos stakeholders do setor: poder público, Autoridade Portuária, arrendatários, operadores, trabalhadores, comunidade local e demais interessados. 

A valoração das áreas portuárias e a sustentabilidade operacional seriam diretamente fundamentadas nesse planejamento estratégico, conduzido pela Autoridade Portuária com o objetivo de garantir sua sustentabilidade financeira. Esse processo deve assegurar a geração de receitas patrimoniais e tarifárias adequadas para cobrir as obrigações operacionais, despesas correntes e futuras, bem como viabilizar investimentos e projetos de expansão planejados, promovendo a eficiência e a autonomia do porto no longo prazo. A receita por área arrendada seria projetada com base em uma análise comparativa de valores praticados em terrenos similares. A receita proveniente de outorga variável seria definida como a tarifa necessária para assegurar o equilíbrio financeiro das operações da Autoridade Portuária, derivada da modelagem econômico-financeira do projeto, e serviria para calibrar o valor do arrendamento em função do valor agregado de cada tipo de carga. 

A abordagem de planejamento estratégico holístico permite que o porto seja gerenciado como um ecossistema complexo e interconectado, promovendo um desenvolvimento sinérgico em vez de projetos isolados. Ao confiar à Autoridade Portuária a responsabilidade pelo planejamento estratégico e pela sustentabilidade financeira, o modelo as capacita a atuar como verdadeiras facilitadoras de negócios e desenvolvedoras do porto, em vez de meras administradoras de contratos estáticos. A ênfase em um planejamento periódico, flexível e participativo estabelece uma estrutura de governança adaptativa, permitindo que o setor portuário responda de forma mais eficaz às mudanças imprevistas do mercado e aos avanços tecnológicos, minimizando a necessidade de renegociações disruptivas. 

3.3. Mecanismos de Contratação e Gestão Simplificados 

O novo modelo propõe um processo de contratação significativamente aprimorado. A partir da manifestação de interesse, a contratação seria direta ou, em caso de múltiplos interessados na mesma área, seria realizado um processo licitatório simplificado. Isso contrasta fortemente com a burocracia atual e visa acelerar a ocupação das áreas. 

A melhoria da gestão portuária também seria alcançada pela diversificação das modalidades de outorga, como concessões por tempo determinado, vinculadas a investimentos ou com contrapartidas sociais. Essa variedade permite ajustar os termos às diferentes características e demandas dos portos e das cargas movimentadas.1 Os contratos de arrendamento seriam bem elaborados: claros, concisos e equilibrados, estipulando direitos e deveres das partes, formas de reajuste, métodos para solucionar conflitos e indicadores claros de desempenho. A flexibilidade contratual para futuras adaptações e renegociações é um ponto crucial, contrastando com a rigidez dos contratos atuais ancorados em EVTEAs. A transparência é um pilar essencial, exigindo a disponibilização pública dos contratos para assegurar o acesso à informação e o acompanhamento pela sociedade. 

A mudança no modelo de gestão reduziria a carga burocrática e permitiria uma reacomodação dos papéis dos diversos stakeholders do sistema portuário, com um aumento do foco na busca de eficiência e modernização em detrimento do controle excessivo sobre a operação privada. Essa simplificação também diminuiria a necessidade de interferência da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e da Secretaria dos Portos em níveis mais granulares dentro dos portos, liberando recursos para que atuem mais intensamente no planejamento e na definição de diretrizes estratégicas para o setor. A eliminação da ancoragem do contrato em um EVTEA permite ajustes de outorga que poderão ser usados para incentivar os arrendatários a realizarem investimentos de modernização e expansão de capacidade. 

A simplificação dos processos de contratação e a flexibilidade dos contratos introduzem uma agilidade regulatória muito necessária, permitindo uma resposta mais rápida às oportunidades de mercado e ao interesse dos investidores. A mudança para indicadores de desempenho e revisões periódicas transforma a supervisão de um modelo focado em conformidade e inputs (EVTEA) para um modelo orientado a resultados e outputs. A capacidade de ajustar as outorgas para incentivar a modernização e a expansão aborda diretamente o desincentivo atual para investimentos de longo prazo e que aumentam a eficiência. 

Tabela 1: Comparativo de Modelos de Arrendamento Portuário: Atual vs. Proposto 

Característica Modelo Atual Modelo Proposto 
Base de Valoração EVTEA (Fluxo de Caixa Descontado – FCD) Planejamento Estratégico do Porto (Mercado/Necessidade) 
Objetivo da Precificação Máximo valor para o poder concedente Sustentabilidade operacional e investimentos do porto 
Processo de Oferta Licitatório complexo e demorado (projeto a projeto) Oferta permanente de áreas, contratação direta/licitação simplificada 
Tempo Médio de Processo 20-36+ meses (2-4 anos para o investidor) Significativamente reduzido (agilidade) 
Flexibilidade Contratual Baixa (necessidade de renegociação/novo EVTEA para investimentos extras) Alta (ajustes de outorga para incentivar investimentos) 
Foco da Gestão Controle excessivo sobre a operação privada, burocracia Eficiência, modernização, autonomia, resultados 
Atração de Investimentos Baixa (preferência por TUPs, incerteza) Alta (previsibilidade, agilidade, incentivos) 
Ocupação de Áreas Ociosidade significativa (>50%) Aceleração da ocupação 
Papel da Autoridade Portuária Administrador de contratos estáticos Facilitador estratégico, desenvolvedor do porto 

4. Benefícios Esperados do Novo Modelo 

A implementação do novo modelo de arrendamento portuário promete múltiplos benefícios interligados, que convergem para um setor mais dinâmico, competitivo e alinhado com as necessidades de desenvolvimento do país. 

Ganhos de Eficiência e Redução da Burocracia 

A simplificação do processo e a redução da burocracia gerarão ganhos substanciais de eficiência. Recursos que antes eram consumidos por trâmites administrativos morosos e complexos poderão ser redirecionados para melhorias diretas em infraestrutura e tecnologia. Consequentemente, a gestão dos portos se tornará mais autônoma e focada na otimização operacional e na busca por resultados concretos. Essa otimização é crucial para que os portos brasileiros alcancem padrões internacionais de desempenho. 

Aumento da Competitividade e Atração de Investimentos 

A flexibilidade e a previsibilidade introduzidas pelo novo modelo fomentarão a competição saudável entre os operadores. Esse ambiente competitivo resultará em serviços de melhor qualidade e tarifas mais atrativas para os usuários, beneficiando toda a cadeia logística. Um cenário de maior clareza e agilidade atrairá capital privado, que é essencial para o desenvolvimento, a modernização e o aumento da capacidade portuária. O modelo visa aumentar a oferta imediata de áreas e acelerar a ocupação dos portos, aproximando os contratos de arrendamento do modelo de negócio dos TUPs, que têm se mostrado mais atrativos para os investidores privados. 

Os benefícios aqui descritos não são isolados, mas formam um ciclo virtuoso de desenvolvimento. Processos simplificados atraem mais investimentos, que por sua vez resultam em melhor infraestrutura e maior competitividade. Essa melhoria gera mais receita para as autoridades portuárias, que pode ser reinvestida, criando um ciclo de retroalimentação positiva para o crescimento contínuo do setor. 

Fortalecimento das Autoridades Portuárias e Melhor Governança 

A simplificação do processo de arrendamento reduzirá a necessidade de interferência da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e da Secretaria dos Portos em níveis mais granulares dentro dos portos. Essa mudança estratégica liberará recursos para que essas entidades atuem de forma mais intensa no planejamento e na definição de diretrizes estratégicas para o setor como um todo. A eliminação da ancoragem do contrato em um EVTEA permitirá ajustes de outorga que poderão ser usados para incentivar os arrendatários a realizarem investimentos de modernização e expansão de capacidade, alinhando os interesses do setor privado com os objetivos de longo prazo do porto. A aceleração da ocupação de áreas públicas ociosas criará valor para os portos por meio da antecipação de fluxo de caixa que demoraria muito mais para ser materializado no modelo atual. 

O modelo proposto não se limita a atrair novos investimentos; ele busca desbloquear o valor econômico latente dos ativos portuários públicos atualmente subutilizados. A existência de mais de 50% de áreas ociosas indica um potencial significativo inexplorado. Ao focar na aceleração da ocupação, o modelo transforma ativos inativos em geradores de receita. Além disso, ao reduzir a interferência em detalhes operacionais, o modelo permite que órgãos reguladores como a ANTAQ e a Secretaria dos Portos elevem seu papel de supervisores operacionais para formuladores de políticas e planejadores estratégicos, aumentando sua eficácia e impacto no setor. 

5. Considerações Finais e Próximos Passos 

O modelo de arrendamento portuário proposto representa uma abordagem transformadora para o setor no Brasil. Seu objetivo central é aumentar a oferta imediata de áreas e acelerar a ocupação dos portos, aproximando os contratos de arrendamento do modelo de negócio dos Terminais de Uso Privado (TUPs), que se mostraram mais atrativos para os investidores privados. 

A essência da proposta reside na alteração da lógica de precificação do ativo portuário, que passaria a ser baseada em um planejamento estratégico do porto e em valores de mercado, em vez de uma valoração individualizada por Fluxo de Caixa Descontado (FCD). Contudo, isso não implica necessariamente uma mudança na forma de cobrança, que pode continuar a incluir outorga fixa (valor da área) e outorga variável por carga movimentada. Essa flexibilidade viabiliza a coexistência dos dois modelos (o atual e o proposto) e permite uma migração gradativa dos contratos de arrendamento existentes, uma vez que os planejamentos estratégicos iniciais considerarão os contratos e receitas “como estão” em suas projeções. A possibilidade de uma transição gradual é crucial para mitigar potenciais disrupções e aumentar a probabilidade de uma adoção bem-sucedida, reconhecendo as complexidades dos contratos e operações existentes. 

É fundamental compreender que as considerações apresentadas neste artigo não configuram um modelo pronto e acabado, mas sim um conjunto de reflexões e propostas que visam contribuir para o desenvolvimento de um novo e mais eficiente modelo de arrendamento portuário. A implementação de um novo modelo requer uma análise criteriosa e a adaptação às particularidades de cada porto, com a participação ativa de todos os stakeholders envolvidos: poder público, Autoridade Portuária, arrendatários, operadores, trabalhadores e a comunidade local. A ênfase na participação ativa de todas as partes interessadas sublinha que o processo de implementação é tão vital quanto o conteúdo da proposta para seu sucesso final. 

A implementação do novo modelo de arrendamento tem o potencial de contribuir significativamente para o desenvolvimento do setor portuário brasileiro, tornando os portos mais eficientes, competitivos e atrativos para investimentos. Esse avanço será um benefício direto para o crescimento econômico e o comércio exterior do país, elevando a discussão de uma questão setorial para um imperativo estratégico nacional para a competitividade global. 

Artigo publicado no Portal FGV Transportes: https://transportes.fgv.br/opinioes/revisao-do-modelo-de-arrendamento-portuario

Túnel Santos – Guarujá

Por Rodrigo Paiva, mestre em Engenharia Industrial, Professor FGV, Sócio da GRAF Infra Consulting A ligação rodoviária Túnel Santos – Guarujá, no litoral sul de

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